Trindade, o Deus missionário do natal

Somos seres em busca de deuses. Temos um coração litúrgico que anseia por um alvo de adoração. Onde você for, pessoas estarão adorando algo ou alguém. O livro de Neil Gaiman, American Gods, é um ótimo exemplo da nossa busca atual. No livro, que também virou série, encontramos os deuses antigos como Zeus e Odin sendo substituídos por deuses mais novos como tecnologia, mídia, globalização e dinheiro. Seja na “liturgia secular” ou nas “liturgias religiosas”, somos especialista em conceber o relacionamento com os deuses à base de nossos próprios esforços. Somos nós que precisamos subir o Olimpo ou lutar corajosamente para chegar ao Valhalla. Somos nós que precisamos cumprir a lei, evitar pecados mortais e passar por estágios religiosos para alcançarmos o paraíso.

Mas o cristianismo bíblico é diferente. Nele há uma barreira humanamente intransponível entre seres humanos e Deus. O pecado impede qualquer tipo de busca heroica pela divindade. Impede qualquer tipo de salvação por santidade própria, abnegação da vida, meditação extrema ou conquista material. O cristianismo não compra a ideia de homens buscando a Deus por esforço próprio. Quando falamos de salvação não há um monte a ser escalado. Não há guerras para serem travadas. Não há estágios para serem atingidos. Não há lista de pecados a serem evitados que consiga abrir as portas dos céus. O que há então no cristianismo?

O mistério do Deus Trindade

No cristianismo há um Deus Trindade. Um Deus diferente de todas as outras concepções de divindades. Esse é o começo de tudo. Cremos num único Deus que existe nas pessoas plenamente divinas do Pai, do Filho e do Espírito Santo. E aqui está a notícia especial que conecta a Trindade com o natal: Esse Deus veio em busca de pecadores. Sabendo de nossa condição, ele não exigiu que subíssemos até Ele, mas desceu até nós. Ele não nos entregou um caminho cheio de estágios de divinização, mas Ele mesmo tomou o caminho da humilhação e da “humanização”. Ao contrário das outras soteriologias seculares ou religiosas, a Trindade nos buscou primeiro, e chamamos isso de encarnação.

Agora preste atenção! A Trindade é um Deus tão elevado que está além do que conseguimos pensar. Gregório de Nazianzo, quando se colocou a pensar nos três e no um ao mesmo tempo, usou as palavras certas ao dizer: “a maior parte do que estou pensando em escapa”. Nem a mais brilhante mente humana pode conceber o Deus Trino. E uma dessas realidades misteriosas é o fato de que cada pessoa divina age individualmente enquanto suas obras são inseparáveis das outras duas. É exatamente sobre essa questão que Agostinho se debruça no início de A Trindade. Ele colocou nessas palavras:

“O Pai, o Filho e o Espírito Santo perfazem uma unidade divina pela inseparável igualdade de uma única e mesma substância. Não são portanto três deuses, mas um só Deus… Contudo, a Trindade não nasceu da Virgem Maria, nem foi crucificada sob Pôncio Pilatos, nem ressuscitou ao terceiro dia, nem subiu aos céus, mas somente o Filho. A Trindade não desceu sob a forma de pomba sobre Jesus batizado (Mt 3:16), nem no dia de Pentecostes depois da ascensão do Senhor… se bem que o Pai e o Filho e o Espírito Santo, como são inseparáveis em si, são também inseparáveis em suas operações. Está é minha fé, pois está é a fé católica.”

Esse conceito de obras individuais e inseparáveis foi debatido ao longo da história, passando por heresias como o sabelianismo (modalismo) e ideias como o patripassionismo (o Pai sofreu na cruz). Essas foram negadas e aquilo que defendia Agostinho foi afirmado como ortodoxia cristã. Nosso ponto até aqui, portanto, é: cada pessoas da Trindade tem a sua ação individual e única, mas inseparável das outras. Podemos dizer que o Pai não morreu na cruz ao mesmo tempo que podemos sustentar que o Pai está agindo juntamente com o Filho na Cruz. Para tentar chegar a um entendimento melhor dessa realidade precisamos de um conceito trinitário ainda mais profundo: a pericorese.

Essa ideia já tinha sido trabalhada por Atanásio, mas foi Pseudo-Cirilo de Alexandria, no século VII, quem usou o termo pericorese (περιχωρησις) pela primeira vez para falar sobre as relações trinitárias. Esse uso se popularizou no oriente e no ocidente a partir da obra de João Damasceno, De Fide Orthodoxa, no século VIII. O uso trinitário de pericorese significa a habitação mútua entre as pessoas divinas. Significa dizer que o Pai habita plenamente no Filho e o Filho no Pai, como também o Espírito Habita plenamente no Pai e no Filho e ambos no Espírito. Essa verdade é vista na Bíblia através do relacionamento Pai-Filho descrito em João, onde se lê Jesus afirmando que “o Pai está em mim e Eu estou no Pai” (Jo 14:10-11) e “Para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti” (Jo 17:21).

Por mais que sejam pessoas distintas e ajam de forma distinta, cada pessoa da Trindade nunca está sozinha, nunca sem as outras. Portanto, nunca podem agir de forma inseparável. Onde Jesus está o Pai e o Espírito também estão. Onde Jesus age individualmente o Pai e o Espírito também agem. Isso fica biblicamente claro quando lemos em conjunto, Isaías 6:1-8, João 12:39-41 e Atos 28:24-26. Esses textos falam do mesmo evento e ação de Deus, se referindo cada um deles a uma pessoa diferente da Trindade. Leia!

A encarnação trinitária

Agora podemos enxergar o significado trinitário do Natal. Entendendo a pericorese entendemos que, em Jesus, a Trindade se colocou numa manjedoura. Entendemos que em Jesus a Trindade veio até nós quando nós não poderíamos ir até Ela. Entendendo a inseparabilidade das obras do Pai, Filho e Espírito Santo, entendemos que a Trindade estava agindo no nascimento de Jesus. O Deus Trino se lançou em missão para alcançar homens e mulheres pecadores.

Veja o nome que Jesus recebeu em Mateus 1:23. Ele foi chamado de Emanuel, que significa “Deus conosco”. Mateus está citando o texto de Isaías 7:14, que se refere ao Deus de Israel, Yahweh. Em outras palavras, Jesus não era aquele que somente traria a salvação de Yahweh, Ele era também o próprio Yahweh andando entre os homens. O Deus criador dos céus e da terra estava pisando na terra em busca dos seus. O nascimento do Filho é a presença salvadora do Pai e do Espírito de forma mais direta entre nós! Jamais podemos esquecer isso no natal!

Há uma beleza natalina por trás da analogia que Irineu faz ao dizer que o Filho e o Espírito são as duas mãos pelas quais Deus criou o universo. Após aquele bebê ter crescido, vivido, sofrido, crucificado e ressuscitado por nós, o Deus-Homem Jesus Cristo ascendeu aos céus e nos deixou o Espírito Santo (Jo 16:7). Uma pessoa da Trindade se foi, mas outra veio para continuar a obra direta de redenção. E com ela, todas as três continuaram entre nós. É por isso que podemos dizer que o Filho e o Espírito são as duas mãos pelas quais Deus o Pai nos abraça e nos traz para perto de si. Filho e Espírito sãos os braços de Deus que se estendem em missão!

O natal nos lembra que não podemos nem precisamos ultrapassar barreiras para chegar até Deus, pois foi Ele quem ultrapassou a barreira da encarnação para chegar até nós. No natal não esperamos que o papai noel desça pela chaminé, nós celebramos o Cristo que se colocou numa manjedoura, trazendo com ele a Santíssima Trindade para perto de nós. No natal lembramos que somos alvos do amor trinitário de Deus (Jo 17:26). Lembramos que naquele bebê estávamos sendo chamados para a comunhão com o Pai, com o Filho e com o Espírito Santo!

Lembre dessa mensagem! Pense no Deus Trino. Adore a Trindade. E siga o exemplo desse Deus missionário que decidiu revelar a si mesmo estando no meio de nós. Esteja no meio dos perdidos e propague essa mensagem trinitária de salvação!

Feliz natal em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo!

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