A Manipulação da Persona na Espiritualidade Intelectual

Quando falamos em persona estamos lembramos do ambiente do teatro antigo, onde máscaras eram usadas para expressar os sentimentos e a personalidade dos personagens. O público, portanto, enxergava o ator e interpretava seus atos por meio da máscara (persona) que ele estava usando. Desse cenário retiramos o sentido atual do termo quando o usamos atualmente nesse contexto de escrita e intelectualidade. Persona se refere a como um indivíduo se apresenta, com sua personalidade e traços característicos, ao mundo, podendo ser uma apresentação real ou manipulada para determinado fim.  Poderíamos dizer, por exemplo, que um aluno pode apresentar-se de forma manipulada através de uma persona mais intelectual para conquistar o respeito e a admiração da turma.

Personas e Teologia

Quando entramos na área teológica, temos nessa manipulação de personas um grande perigo para nossa espiritualidade intelectual. Muitas vezes somos tentados a nos apresentar ao mundo, a nossa igreja e ao nosso seminário de forma diferente daquilo que realmente somos. Essa tentação parte de um coração enganoso, que em muitas ocasiões está buscando glória para si. Desejamos receber autoridade, valorização, respeito e atenção através de uma persona intelectual manipulada.

Penso em dois motivos para tal comportamento. O primeiro deles é a idolatria ao “eu”. Por trás de todo pecado está o desejo humano de ser maior do que realmente fomos chamados a ser. O desejo de recebermos mais glória do que a que nos foi proposta. Não somos chamados filhos de Adão a toa. O segundo é a pressão que recebemos. O mundo e até mesmo a igreja cobra isso de nós. Se estamos nos dedicando a área intelectual precisamos mostrar os resultados, e eles são mais visíveis quando discursamos e escrevemos.

Os dois últimos pontos que citei, discurso e escrita, são os principais meios pelos quais as personas intelectualizadas se manifestam. Talvez algum pensamento do tipo “sou um mestrando, não posso falar e escrever como antes” já tenha passado pelas nossas cabeças. Sei que passa por muitas que estão convivendo conosco. Sei que muitas vezes fazemos isso inconscientemente ou até por costume ou “programação” da sociedade. Muitos de nós (acredito ser a maioria) não agimos assim com a intenção de manipular. A verdade é que o alerta precisa ser dado para ambos os lados, tanto para teólogos quanto para o público, mas principalmente para os primeiros. Mesmo sem intencionalidade precisamos mudar. Manipular personas pode destruir nossa espiritualidade e tornar nossa teologia uma pedra de tropeço para nós mesmos. Posso citar rapidamente três formas de reconhecer se isso está acontecendo ou não conosco:

  • O uso de termos teológicos mais desconhecidos diante de um público leigo e até mesmo o exagero de explicações sobre esses termos.
  • O uso exagerado e sem necessidade de termos em outras línguas, como grego, hebraico, latim e até mesmo inglês.
  • A imitação (cópia de persona) de alguma autoridade reconhecida na sua área de atuação.

Manipular personas pode destruir nossa espiritualidade e tornar nossa teologia uma pedra de tropeço para nós mesmos.

É claro que essas coisas, usadas com sabedoria e naturalidade, não são ruins em si (esse texto é um exemplo rs), mas podem revelar um problema a ser corrigido. Até mesmo a imitação (não lembro de uma palavra melhor agora) não é um pecado por si só, visto que dificilmente não absorveremos alguns traços de grandes pessoas que admiramos e seguimos. Um grande professor, pregador ou escritor sempre deixa marcas visíveis em seus discípulos. Pense também no “fator cansativo”. Com isso me refiro ao textos e falas longas, cheios intelectualidade forçada ou simples enrolation. Uma frase poderia ser resumida em poucas palavras. Um parágrafo numa frase. Poderíamos ser mais claros e diretos. Tamanho não é documento. Duração não é intelectualidade. Uma pregação longa não significa profundidade, nem uma curta superficialidade. Poucas páginas podem contar pérolas teológicas.

Não estou também defendo uma anti-intelectualidade, apenas uma intelectualidade sincera, humilde e amorosa. O ponto é que não devemos levar essas coisas ao nível da manipulação. Quando nos apresentamos ao próximo como não somos corremos grandes riscos de fazer o mesmo diante de Deus. E isso nos levará a duas consequências mortais:

  • Frieza espiritual diante de Deus (teologia sem devoção)
  • Frieza espiritual diante do povo (teologia sem amor)

O resumo disso é uma teologia sem piedade, semelhante aos esforços intelectuais dos incrédulos. Que Deus tenha misericórdia de nós e nos sustente em ser quem fomos chamados para ser. Quando olharmos para Deus e para a igreja como, respectivamente, fonte e alvo de nossa intelectualidade teológica, não haverá espaço para manipulação de personas. A teologia não é feita de nós para nós, mas de Deus para sua igreja. Temos apenas o privilégio de sermos canais escolhidos por Deus para atuarmos da maneira pela qual Ele nos criou e capacitou. A teologia precisa ser entendida por todos, cada um no seu nível de compreensão. Ela precisa fazer sentido para a vida e cultura. A missão de um teólogo é para o público, para fora de si, não para si mesmo. Como disse C. S. Lewis: “Deus nunca se faz de filósofo diante de uma lavadeira”.

Quando olharmos para Deus e para a igreja como, respectivamente, fonte e alvo de nossa intelectualidade teológica, não haverá espaço para manipulação de personas.

5 Comments

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  1. Cara, gostei bastante do seu site. Parabéns mesmo!

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  2. Cara, muito bom, mesmo! O evangelho é relacional, tanto sobre Deus quanto ao próximo. Se a teologia não é usada para fazer com que as verdades da palavra sejam levadas de forma simples a todos, se ela só servir para ser mais um canudo, titulo ou se massagem de ego, de nada serve.

    Eu e minha esposa acompanharemos seus posts, grande abraço.

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  3. Gostei demais! Parabéns pelo site irmão, seguindo! Deus abençoe!

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